A Música Como Dedicatória

Em 17 novembro 2009
Por Anderson Silva

Esqueceu o aniversário da esposa? Faça como o Bono Vox, do U2: escreva uma música . Seu ex-namorado te largou? Componha uma canção esculachando-o, como fez Alanis Morissette.

Ou siga o exemplo de Eric Clapton e brade ao mundo “[...] Layla, you’ve got me on my knees [...]” referindo-se a Patty, esposa de George Harrisson na faixa “Layla”.

A música sempre esteve ligada a algum fato da vida do compositor. Seja a mais pura verdade (como no caso de Clapton) ou um pouco enfeitada.

Quando um artista responde a óbvia pergunta “Em que você se inspira pra compor?”. “Na vida”, alguns responderiam.

E é exatamente dessa vertente que falarei hoje. A música como dedicatória. Nos casos citados acima (todos envolvendo o amor de certa forma), as canções soam exatamente como um “tributo” ao parceiro (a) – no caso da Alanis, uma homenagem desonrosa.

Pense. Com certeza você já escreveu ou enviou uma música “bonitinha” para seu (sua) namorado (a).

Como aqui no Pop ´N´ Cult nada é óbvio, darei destaque a algumas composições menos "românticas".

Com a palavra: as mamães

A primeira canção “dedicatória” é “The God That Failed” do Metallica. Escrita por James Hetfield para o “álbum preto”, a música é um protesto do vocalista contra algumas religiões.

A mãe de Hetfield, Cinthia, sofria de câncer, mas não quis receber tratamento acreditando que a cura viria dos “céus”.

Acabou falecendo, fato que deixou o frontman do Metallica enfurecido com a religião da matriarca e, principalmente, com Deus (mais tarde ele se “reconciliria”).

Repare a raiva de Hetfield no trecho a seguir. “Eu vejo fé em seus olhos. Você nunca ouviu as mentiras desanimadoras. E ouço fé em seus gritos. A promessa é quebrada, traidor”.

O traidor é Deus, que (na minha interpretação) quebrou a promessa ao levar a Sra. Hetfield desta para melhor. Bela música com letra fortíssima.

Veja o vídeo.

Já o nosso harmonioso (ironicamente falando) Marshall Matters, mundialmente conhecido como Eminem, resolveu “homenagear” sua mãe com a música “Cleaning Out My Closet”.

Há na letra uma citação ao pai do rapper (“My faggot father must have had his panties up in a bunch”, algo como “O Viado do meu pai merecia ter seu cú apertado várias vezes”), mas é a mãe que leva o 1º “prêmio”.

No refrão da música, Eminem até pede desculpas a sua progenitora. “I’m sorry mama, I never meant to hurt you. I never meant to make you cry. But tonight I’m cleanin’ out my closet . /Me perdoe mãe Eu nunca te machuquei por querer Eu nunca fiz você chorar por querer Mas hoje à noite, eu tô esvaziando meu armário”. Lindo, não?

Em seguida, o rapper detona. “Faça sua música vagabunda, continue dizendo pra si mesma que você foi uma mãe”. Ah, o amor entre mãe e filho…Confira o clipe.

A Música e as Tragédias

Quando acontece um acidente ou uma tragédia causada pelo homem (ou pelos “fenômenos naturais”), alguns choram, outros seguem sua vida normalmente. Artistas inspirados utilizam esses fatos para compor.

Todos se lembram quando o furacão Katrina atingiu a cidade de Nova Orleans, nos Estados Unidos em 2005, deixando muitos desabrigados e mais de mil pessoas mortas.

O vocalista Chris Cornell, então no Audioslave, compôs a faixa “Wide Awake” para o álbum “Revelations” (2006). A música fala do furacão e as consequências que a inabilidade dos governantes americanos trouxe a população da cidade.

No final das ruas o mundo está de passagem. O pobre e o indefeso deixados para trás, enquanto você está em um lugar qualquer trocando vidas por petróleo. Como se todo o mundo fosse cego”, canta Cornell.

Na época do lançamento do cd, o guitarrista Tom Morello disse que “Wide Awake” era a música mais política do Audioslave. Pena que ninguém deu a mínima pra canção e a banda acabou no ano seguinte.

Abaixo, o vídeo de Chris Cornell tocando “Wide Awake” em versão acúsitca.

Há um projeto para que a história de um ex-oficial da marinha americana que ajudou a resgatar vítimas do furacão vire filme. A produção ficará a cargo de Will Smith.

A maior tragédia na terra do Tio Sam foi, sem dúvida, o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. Quase 3 mil mortos.

E é claro que os músicos não virariam as costas para estes tristes acontecimentos. Em dezembro daquele mesmo ano (rápido, não?) chegava às lojas o cd “America: A Tribute To Heroes“. O álbum trazia artistas em parceria, tocando covers ou músicas próprias já lançadas anteriormente.

Menos o “The BossBruce Springsteen, que escolheu abrir o show televisivo que deu origem ao disco (e depois DVD) com a inédita “My City of Ruins” (“Minha cidade em ruínas”) emocionando a platéia.

“Agora os doces sinos da piedade, através das ávores ao entardecer
Homens jovens nos cantos, como folhas caídas. Janelas bloqueadas, ruas vazias. Quando meus irmãos caem de joelhos, minha cidade está em ruínas
“.

A canção foi o ponto de partida para o álbum “The Rising“, tomado pela temática do 11 de setembro e que seria lançado no ano seguinte.

Quem mais americano do que Bruce Springsteen para iniciar esse tributo? Perfeito.

Confira a apresentação de Springsteen no “America: A Tribute to Heros” com a música “My City of Ruins”.

E é claro que o cinema não poderia ficar de fora. Mas isso não é papo pra mim. Cito apenas os mais famosos: “As Torres Gêmeas“, de Oliver Stone e “Fahrenheit: 11 de Setembro“, de Michael Moore.

Há zilhares de outras canções que servem de dedicatória ou tributo. Claro que não lembro de todas (e nem é essa a ideia). O intuito é mostrar que música sem inspiração, não tem graça.

Ou, se você preferir, qualquer coisa sem inspiração, não tem graça. E deixa eu parar de escrever, pois o texto tá ficando enorme…