Os Últimos Dias dos Romanov

Em 09 abril 2011
Por Leila Ferraz

Trágico. Essa é a melhor maneira de descrever o reinado de Nicolau II, último Czar de todas as Rússias. Na madrugada de 17 de julho de 1918, a família imperial russa é acordada às pressas e levada ao porão da casa Ipatiev, sua prisão em Ecaterimburgo. Em primeiro seguia o czar Nicolau II, com o filho Alexei no colo. Vinte e três degraus, um para cada ano de seu desastroso reinado, o separavam do destino coletivo da família. No abafado cômodo, um dos mais famosos e brutais assassinatos políticos da história ganharia contornos de um cruel banho de sangue.

O assassinato da família imperial talvez tenha sido um dos mais violentos e orquestrados da história. Vou dizer uma coisa, eu já li muito sobre isso, gosto dessa história e de todos seus meandros cruéis. No livro da historiadora inglesa Helen Rapapport contudo, a história ganha um viés diferente. A autora revela os últimos dias da família (Nicolau, sua esposa Alexandra, suas quatro filhas e seu filho caçula). Depois de abdicar ao trono pressionado pelo burburinho político que tomava conta da Rússia, o czar e sua família foram isolados em uma casa, a casa Ipatiev, na industrial Ecaterimburgo. Dias supervisionados por guardas, completamente alheios ao furacão político que atingia seu ex-reinado, vivendo em cinco cômodos sem nenhum privilégio como bonecos nas mãos dos líder da revolução, Lênin.

O livro relata o cenário político ao mesmo tempo que mostra de forma clara a rotina da família na casa. Com acesso ao depoimento de várias testemunhas-chave, Helen revela o papel de Lênin na execução. Mostra, ainda, como os Romanov e seus carcereiros desenvolveram uma relação complexa. Alguns achavam difícil associar o rosto dócil de Nicolau, e de suas lindas filhas, com o que a propaganda bolchevique lhes havia incutido. Jovens soldados não resistiram ao charme das grã-duquesas russas em flertes que preocuparam a czarina.

Todo o glamour que sempre cercou a família desapareceu em 20 minutos de terror e selvageria no porão da casa. Especialista em história russa, Helen Rappaport disseca os quatorze dias da prisão domiciliar dos Romanov: tanto o clima claustrofóbico no interior de Ipatiev— o homem que um dia governara 22 milhões de metros quadrados reinava sobre um único aposento — quanto as manobras políticas de seus aliados e inimigos.

Peões indefesos de um jogo político que não levava em conta seu destino como pessoas, apenas como participantes de acontecimentos políticos maiores, os Romanov chegaram ao fim despidos de todo a pompa. A cada dia mais unidos e resignados, extremamente religiosos, morreram como uma família. Seu assassinato foi o início de uma orgia de terror e represálias sangrentas que caracterizaria a guerra civil russa.

Não que o czar fosse santo. Nada disso. A Rússia padecia de fome, falta de emprego e miséria. O Nicolau, um sujeito calmo e simples valorizava os momentos em família e se recusava a "perder tempo" pensando em como mudar o cenário. Pra piorar, colocou o País em uma guerra perdida que desperdiçou milhares de vidas sem resultado algum. Após abdicar, o czar pensou que seria extraditado e viveria,enfim, para sua família em algum recanto. Mal sabia ele que os planos eram outros.

O cruel destino da família foi planejado com afinco. Os requintes de crueldade - fora a aniquilação - iam desde cartas falsas de monarquistas interessados em resgatar a família até telegramas para embaixadas garantindo que a família estava em segurança. A autora conseguiu retratar toda a maldade do ato mas sem diminuir a culpa do próprio monarca. É claro que nada justifica o triste fim de Nicolau e sua amada família, mas o interessante de toda essa história é o mistério que ainda a cerca.Fora todo o jogo político, a historiadora ainda narra a omissão de monarcas de outros países (muitos deles com laços sanguíneos com os Romanov) mesmo todos sabendo que a família imperial corria sérios perigos.

Uma das poucas certezas é que, o que era para ser um assassinato limpo e rápido se transformou em um longo banho de sangue. O plano era um soldado para cada uma das onze pessoas da casa (a família e mais alguns criados). Nicolau seria o primeiro a ser morto e a ordem era mirar no coração para que tudo fosse rápido. Contudo, após o czar ser baleado, todos os soldados com sede de vingança partiram para cima do corpo já atingido do monarca e o despedaçaram com tiros e golpes de baionetas. Enquanto isso as meninas corriam apavoradas tentando escapar de um quarto sem portas. Todos foram atingidos incontáveis vezes de forma não letal, o que prolongou o sofrimento.Soldados bêbados e cheios de ódio transformaram o ato em um festival de selvageria e brutalidade. Sorte de Nicolau que morreu primeiro e não viu o que aconteceu ao resto de sua família.

Alimentando todo o mistério que cerca esse episódio, há grupos que afirmam que Anastácia, uma das filhas do casal real,escapou com vida. Há alguns anos a Igreja Ortodoxa canonizou a família Romanov. Essa fato religioso na verdade faz com que, quem não conhece, ache que Nicolau foi santo. Eram sim muito religiosos, principalmente a czarina. O fato das meninas serem completamente inocentes, além de serem amáveis e simpáticas, e do czaréviche Alexei ser um menino extremamente doente, não terem sido poupados ajuda na aura de santidade que envolveu a última família regente da dinastia Romanov (que governou a Rússia por 300 anos).

Hoje o local onde os corpos foram brutalmente despejados virou um tipo de lugar sagrado. Havia quem gostasse da família, mesmo com a Rússia em declínio por conta da má governança de Nicolau II. A Casa Ipatiev foi derrubada e em seu lugar foi construída a Igreja do Sangue. Pelas cidades onde a família passou rumo ao seu fim, hoje se vê um caminho santo chamado de O Gólgota Romanov. Há muito ainda que ser decifrado, confirmado e desmentido sobre esse capítulo sangrento da história Russa.

Eu indico o livro pra quem gosta de história. Além do maravilho panorama político da época, a autora nos brinda com detalhes sobre os lugares e curiosidades russas. Dá pra se sentir naquela terra, participar da história e se emocionar com ela. Enfim, leitura obrigatória para os amantes da história.